Data em que foi escrita: 17 de junho de 2015
Música para ouvir enquanto lê: Genesis - The Carpet Crawlers
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Roberto caminhou lentamente até
a ponta do terraço. Olhou para baixo: 25 andares de altura lhe aguardavam
ansiosamente.
Ele havia desistido de tudo.
Tinha uma casa, um carro e um bom emprego. Mas estava abrindo mão de tudo, e nem sabia o porquê direito. Mesmo ele não tendo uma esposa e
filhos para dividir, ele ainda tinha alguns poucos (e bons) amigos, e
a sua mãe que o mimava até hoje, com 27 anos.
Mas a vida não fazia muito
sentido pra ele. Se sentia pressionado por tudo e por todos. Levava uma rotina
sem graça, não se encaixando em nenhum lugar. Basicamente, se isolava na maior
parte do tempo.
Respirou fundo, pôs o primeiro
pé para fora do prédio. Sentiu uma brisa forte, que o fez se assustar e tremer,
derrubando uma de suas pantufas pretas. Se recompôs, tomou coragem e pulou.
Rápido, sem causar alvoroço, sem aquele grupo de 100 pessoas em baixo gritando
para não pular, sem bombeiro, sem nada. Apenas pulou, sem drama, sem história,
sem bagunça.
Entrou em queda livre. E aquela
queda parecia que durava horas, e não segundos. Já chegando nos últimos
andares, sentiu uma mão o puxando pelo colarinho de seu sobretudo, parando sua iminente morte.
- Epa, epa, epa. Que
cê tá fazendo, brother ? – Perguntou o cara que evitou sua queda, enquanto o
puxava pela janela para dentro do seu apartamento.
- Que porra é essa? Me
solta, viado! – Ele exclamou, nervoso.
Se debatia tentando se livrar das mãos fortes e enormes de seu opressor, que aparentava ter pelo menos 2 metros de altura.
- Vai pular fora
mesmo? Vira homem, caralho. – O homem o fez sentar em uma cadeira a frente
dele.
- A vida é minha,
ponho fim onde e quando eu quiser! – Esbravejou Roberto, cuspindo na cara do
homem. – E quem diabos é você?
- Pode me chamar de Sr.
Laife. – Passou as costas da mão no rosto, limpando o catarro. – Roberto, eu
estou desapontado. Achei que tínhamos um contrato, lembra?
- Como você sabe meu
nome? – À essa altura, Roberto já estava mais assustado do que torcedor do
Palmeiras comemorando gol no meio da torcida do Corinthians. – E do que você tá
falando, cara ?
- Do que eu tô
falando? Tá brincando né? – Virou um tapa na cara do Roberto que fez voar
saliva e sangue no vidro da janela. Sem dúvidas deixou o Capitão Nascimento com
inveja. – Fecha o olho.
- Fechar o olho? Pra
que?
- Fecha. A merda. Do
olho.
Com medo de levar outro tapa,
Roberto fechou os olhos. Depois de alguns segundos, começou a sentir um
formigamento estranho no pé, e um cheiro estranho.
- Abre. – Ele abriu.
Ca.
Ra.
Le.
O.
Que brisa, maluco.
Ele não tinha mais pernas. Tinha
um rabo, parecendo um girino. Estava totalmente nu e careca, e
totalmente liso. Não tinha dedos, braços, pelos ou órgãos. Nada.
Olhou em volta. Havia milhares de pessoas junto a ele. E todos tinham exatamente a mesma aparência, como se fossem clones. Olhou para o que estava mais perto, e flutuou até ele.
- Amigo, com licença.
Qual é o seu nome ?
- Roberto.
- Nossa... Ok,
Roberto. Onde eu estou ?
- Aqui é a
Espermatogônia, Roberto.
Nesse momento, o nosso Roberto
travou. Caiu a ficha. Ele agora era uma espermatozóide.
De súbito, uma voz masculina
começou a fazer um anúncio. Parecia aquelas vozes de aeroporto “mimimi,
senhores passageiros”
- Atenção, senhores
espermatozóides. Aproximem-se da plataforma pois a viagem irá começar em poucos
segundos. – Nesse momento, todos os Robertos criaram pernas e braços, do nada.
Roberto viu que todos se aproximaram de um túnel alí perto, e os seguiu. Esperou mais alguns
instantes até que uma corrente de água branca veio e os levou junto
pelo túnel. Era uma velocidade impressionante, que fazia todos se
esbarrarem entre si, totalmente fora de controle.
Até que chegaram em uma
plataforma. Todos eles subiram nela, e ficaram parados por alguns segundos, até
uma voz feminina fazer um anúncio:
- Senhores visitantes,
apenas um caminho daqueles dois é o certo. Nós só temos uma vaga, então quem não chegar
primeiro, se fudeu.
Começou então uma verdadeira
sessão de ‘jogos vorazes’. Os Robertos corriam, brigavam e empurravam. O nosso
Roberto começou a correr também, se esquivando dos outros.
Chegou um ponto em que dois
caminhos apareceram, e os Robertos se dividiram, escolhendo um dos túneis. Ele
resolveu ir pela direita, onde havia um fluxo menor. Ele estava bem
longe dos primeiros, mais perto dos últimos, mas continuou a corrida mesmo
assim.
O túnel finalmente havia
acabado, chegando em um espaço bem mais aberto. Se deparou com todos os
Robertos paralisados, olhando para as altas paredes. No meio daquela sala havia
um brilho azul flutuante, que nenhum deles tinha coragem de chegar perto.
Nas paredes altas, haviam várias
televisões. Ele olhou bem para elas, e viu o que estava passando: era a sua
vida. Todas as cenas que ele já tinha vivido antes de decidir se matar. Os outros Robertos olhavam assustados para tudo
aquilo, por isso não chegavam mais perto do centro: Não tinham coragem de
viver.
Por um tempo, ele também se
sentiu com medo, deprimido. Ao lembrar de tudo o que passou, e dos motivos que
fizeram ele pular daquele prédio. Mas ele respirou fundo, e fez o que ninguém
mais teve coragem de fazer: Caminhou até o centro, em direção ao brilho azul.
Quando chegou perto, uma espécie de holograma apareceu na frente.
- Você tem certeza
disso, Roberto? – Ele o reconheceu. Era o mesmo cara que evitou sua queda do
prédio. – A vida não será fácil. Você vai ter que conviver com a pressão, com
pessoas ruins, com o mundo ruim, com decepções. Conviver com a possibilidade de
morrer todo dia, conviver com a possibilidade de ficar sozinho, de ficar pobre,
de ficar deprimido. Realmente é o que você quer? Ninguém mais tem coragem nesse
lugar. Precisamos de um representante.
Roberto respirou fundo. Fez uma pausa
dramática por um tempo, e acenou com a cabeça.
- Tudo bem então, eu
avisei. Assine aqui e vá viver.
Roberto assinou, e o Sr. Laife
desapereceu. Caminhou até o brilho azul e encostou nele. Fez tanta luz que a
sala ficou totalmente branca, cegando à todos por alguns segundos.
Quando ele recuperou a visão, estava em sua cama. Vestiu suas roupas, e
saiu de casa, pronto para uma nova vida.
Vitor Henrique, Café C/ Fezes
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