quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Sheik Que Não Entendeu


Data aproximada em que foi escrita: Junho / 2012

Música para ouvir enquanto lê: Rage Against The Machine - Calm Like A Bomb
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Isso aconteceu. Quer dizer, isso REALMENTE aconteceu. Ou poderia acontecer, de repente, sei lá.

Era um homem do Oriente Médio, daqueles barbudos poderosíssimos, os chamados Sheiks. Rico, dono de uma refinaria de petróleo, era um dos cinco maiores empresários do ouro preto no mundo inteiro, e sua fortuna era estimada em zilhões de dólares.
                Tinha ao total trinta esposas dos mais variados tipos. Tinha morena com pinta no rosto, morena sem pinta no rosto, morena com nariz pequeno, morena com orelha grande... E todas com o bendito véu cobrindo o rosto, é claro. E o curioso era que ele dormia com uma em cada dia do mês.
                As esposas no geral se davam bem, o problema era quando fevereiro chegava... Pela tradição, duas (ou uma, se for bissexto) sempre ficavam sem sexo, aí era uma briga danada.
                Sorte mesmo era quando chegavam os meses com  trinta e um dias... Aí a briga era pra ver quem fazia duas vezes.
                E filhos? Meu Deus, eram tantos filhos! O pobre Sheik não conseguia se quer lembrar do nome deles. Sabia que tinha um Mohamed ou um Al Mualim, mas, por Alá, quais dos quarenta e cinco seriam eles?
                Mas ele adorava a vida que levava. Como era bilionário, conseguia sustentar a enorme família muito bem.
                Sabe aquele delicioso churrasco familiar, que acontece uma vez por ano (e olhe lá) que vão todos os tios, primas, sobrinhos, sogros, pais, filhos... Enfim, a parentada toda? Pois então, aquilo era uma rotina para o pobre homem. Os almoços mais pareciam finais de campeonato brasileiro no estádio.  Mas apesar de toda a muvuca, ele se divertia muito com a grande família. Ah, aquilo sim era uma grande família de verdade. Neneu, Agostinho e companhia não chegam nem perto daquilo.
                E ele ia vivendo. Cuidava dos negócios de manhã, e tinha parte da tarde e a noite inteira livre para a família, quando ele se divertia com os trocentos zilhões de filhos,levando-os para brincar no parquinho particular, ou na piscina, ou até mesmo no campo de futebol que o pai havia construído em uma de suas imensas propriedades.
                Até que um dia, algo inusitado aconteceu.
                Um forasteiro boa-pinta, com um terrível sotaque americano, começou a lhe contar sobre a história de um tal de Jeová.
                - Jeová é Deus?- Perguntou ele -Só Alá é Deus.
                - Não, o verdadeiro Deus é o Deus dos judeus, o Deus Eu Sou, o Jeová, o Criador.
                Após uma longa e irritante conversa, em que o missionário tentava converter o todo-poderoso Sheik, o ricaço se encheu do papo daquele americano que se achava o dono da verdade, e se virou para ir embora.
                Então, quando ele foi atravessar a rua para entrar em sua limusine, um carro esportivo veio em alta velocidade para cima dele. Ele sentia que a morte estava chegando mais e mais perto (E de Viper ainda, parece que nos Emirados Árabes todo mundo é rico mesmo, até a Dona Morte) E o cristão, por reflexo, se jogou em cima do Sheik, e os dois voaram seguros, até a calçada.
- Por Alá! Você salvou minha vida! Como posso te retribuir? Dinheiro, jóias? O que você quer?
- Eu não quero nada, Sheik. Não fui eu quem salvou sua vida.
- Não? Então quem foi?
- Jeová
- O Deus dos judeus?
- Exatamente.
-Eu quero o recompensá-lo. Ele gosta mais de ouro ou de diamantes?
- Nenhum nem outro, meu caro Sheik. A melhor coisa que você pode fazer por ele é entregar a sua vida a ele, e mudar seus costumes.
-E como eu faço isso?
- Bom, repita essas palavras comigo.
                O Sheik havia então se convertido ao cristianismo, e depois de algumas semanas em que o missionário havia lhe ensinado mais sobre o Deus dos judeus, e ia conhecendo mais sobre seu ‘paciente’, inclusive sobre suas trinta esposas, chegou a uma conclusão:
-Você não pode ter trinta esposas. Poligamia é pecado. Não é certo, Deus reprova.
-Então, o que eu devo fazer?
-Livre-se de vinte e nove,e escolha uma para viver pro resto da vida.
                Livrar-se de vinte e nove esposas. Aquela com certeza não seria uma tarefa fácil.
                Quer dizer, ele realmente gostava daquilo. Não sabia ao certo se gostava das esposas ou de TER tantas esposas. E nem se gostava de todas, se gostava de uma, duas, ou até mesmo de nenhuma.
                Simplesmente não sabia o que fazer. Escolher uma, à dedo? E se livrar das outras? Como fazer aquilo? Todas eram formosas, e tinham boas qualidades como donas de casa. 
                Então, ao chegar em casa teve uma brilhante ideia:
-Gostaria de chamar todas as minhas esposas, para um comunicado urgente.  Preciso escolher uma, e somente UMA de vocês para continuar a ser minha esposa. Ter tantas esposas não agrada a Javé.
- E como você vai escolher? - Uma delas perguntou.
- É uma boa pergunta, querida nº 23. Vamos  promover um grande jogo de Roleta Russa.
                Então um dos servos trouxe uma pistola com nove barris, e uma bala dentro. Ele mostrou a arma, e começou a explicar as regras do divertido game.
- Serão eliminatórias mata-mata, uma contra uma, como a tal da copa do mundo que teremos em 2022. Serão feitos sorteios para cada uma ter sua primeira adversária, quem sobreviver passa para a próxima fase, e pegará uma nova oponente, até restar apenas uma.
                E o sangrento jogo começou. Miolos estourando para todo lado, poças e mais poças de sangue, cérebros escorrendo pelo nariz, rostos totalmente desfigurados. Um belo show, parecia clipe do ‘Slipknot’
                Depois de quatro horas de mortes semi-suicidas, finalmente havia chegado a hora da grande decisão.
                De um lado, uma bela e quente morena, com um véu cobrindo a cara.
                Do outro, uma bela e quente morena com um véu cobrindo a cara.
                Foi uma grande final, inclusive foi a disputa mais demorada. Era como aquelas finais de libertadores  que vão para os pênaltis,
                E então, a bela morena com véu cobrindo o rosto venceu a morena com véu no rosto.
                Feliz da vida, ela correu para os braços do só-seu marido, e este a parabenizou muito pela sorte e coragem.
- Parabéns, Jade!
- Meu nome é Mia. Jade morreu na segunda rodada.
                Então o missionário entra em cena.
                Ele simplesmente não acredita no que vê. Ficou abismado, não tinha caído na realidade. Então o Sheik correu e o abraçou.
-Meu amigo, fiz o que Jeová queria! Livrei-me das vinte e nove esposas, e escolhi uma! Agora eu posso me batizar no nosso Senhor Jesus Cristo!
“Não... era... exatamente isso que eu quis dizer.”
                Então o missionário sentou, e por longas horas, chorou amargamente, sentindo plena culpa das vinte e nove mulheres mortas, e, segundo sua crença, jogadas diretamente no lago de fogo por suicídio.
                Mais tarde, o noticiário Árabe informava:
- Atentado terrorista cristão tem vinte e nove mortos na mansão do Sheik Allahur


                Irônico, não?



Vitor Henrique, Café C/ Fezes