terça-feira, 14 de julho de 2015

Seção?

Data em que foi escrita: 07 de julho de 2015

Música para ouvir enquanto lê: Rodox - Quem Tem Coragem Não Finge
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É amigo, a vida não estava fácil pra mim.
Tava precisando de um emprego, o mais urgente possivel. Não urgente do tipo ‘preciso de uma graninha pra dar um rolê com a mulecada’, não. Essa fase de rolê já havia passado, eu já estava com 25 anos nas costas. Ainda morava com minha mãe e estava desempregado desde que o estágio da faculdade havia acabado, pouco depois de eu ter completado 23 aninhos de vida. Resumindo: precisava descolar uma grana pra ajudar em casa e não acabar sendo enxotado pela minha maravilhosa progenitora, e morar na rua com meu violão, tocando ‘Under the Bridge’ do ‘Red Hot’ ou qualquer outra porcaria que me lembrasse de ser um sem teto.
Saí de casa, e entreguei currículo pra tudo quanto é canto. Fui até a igreja, disse ao pastor que ‘poderia ser pastor substituto, sem problemas’. Acho que ele não aceitou muito bem, mas pegou meu CV com um sorriso sarcástico.
Fui até a funerária, chamei o dono de canto e disse:
- Sou espirita, Consigo fazer umas comunicações loucas com os mortos se precisar, sou perfeito pra vaga, cara! – Eu não era espirita.
- Aham, claro. – Mais um CV entregado com sucesso. Caramba, hoje eu tô impossível!
Em seguida, fui até a biblioteca. Um rapaz velho e simpático estava sozinho lá. Parecia ser o dono do estabelecimento. Respirei fundo: Senti que as chances alí seriam boas. Bom, melhor do que pregar ou enterrar mortos, sem dúvidas.
- Com licença, amigo? – Me aproximei um pouco – Você está procurando alguém pra te ajudar aqui?
- Hmm...- O velho coçou o queixo com o polegar- Talvez. Não seria má idéia. Você trouxe um currículo ?
-Claro, aqui está. – Entreguei o papel, agradeci e saí do local. Entreguei mais alguns currículos pelo centro da cidade, até não encontrar mais nenhum lugar no qual eu pudesse trabalhar, e voltei pra casa. Joguei meu FIFA diário e dormi. No sofá mesmo, até porque levantar e ir pra cama seria um desperdicio total de energia.
Acordei no outro dia, umas 10 horas. Com minha mãe gritando feito louca.
- Você tem até o final dessa sexta-feira pra arrumar emprego. Se não arrumar, é rua!
Eu sabia que ela estava falando sério. Ela me amava, mas não sustentava marmanjo gamer que não fazia nada da vida. Obviamente ela não me deixaria morar na rua, mas eu teria que acabar indo morar com meu pai ou meu tio, em outra cidade. E meu Deus, não queria isso. Todos os meus amigos estão aqui.
Fui até o banheiro, joguei água na cara. Me olhei no espelho: Que figura acabada a minha. Bufei.
- Oi, Deus. Eu sei que pode parecer que eu só venho trocar idéia contigo quando a água bate na bunda e tal. Aliás, bunda não. Você é uma santidade, né. Mais respeito, desculpa. Bumbum, que tal? Bom, o fato é que eu preciso de um emprego, cara. Não quero sair daqui, eu tô bem! Me dá uma ajuda aí, vai. Câmbio, desligo.
Assim que terminei minha oração, senti algo vibrando no meu bolso. Era meu celular, recebendo uma ligação de um número fixo desconhecido. Atendi.
- Alô?
- Alô, poderia falar com Felipe da Silva?
- É ele. Quem gostaria?
- Meu nome é Emanuel. Você entregou um currículo pro meu pai ontem na biblioteca central, se lembra ?
- Sim, claro.
- Gostaria de saber se você quer trabalhar hoje a tarde aqui, por experiência. Dependendo de como for nós te contratamos em definitivo. O que acha?
- Perfeito! Que horas ?
- Venha às 3 da tarde. Você fica aqui até a biblioteca fechar, às 18. Meu pai não está aqui hoje, mas eu te ajudarei. Fechado?
- Fechado! Estarei lá, obrigado.
Bom, não era lá grande coisa, mas já era algo. Me arrumei e aguardei ansiosamente as 15 horas chegarem. Até que enfim chegaram, e lá estava eu. Um rapaz jovem, de uns 30 anos, e com cabelos grandes até o ombro e barba cheia estava atrás do caixa. Parecia o Ashton Kutcher na primeira temporada de ‘Two And a Half Men’ em que ele esteve. Mas menos rico, é claro. Me aproximei e ele estendeu a mão, me cumprimentando.
- Olá. Bem-vindo, Felipe.
- Olá, obrigado.
- Bom, você gosta de ler?
- Gosto.- Leia-se: Não.
- Tenho um servicinho pra você, logo de cara. – Ele saiu de trás do caixa e caminhou na direção das prateleiras de livros – Bom, como você pode ver, aqui nós dividimos os livros por seções. Aqui temos Aventura...Temos Ficção...Autoajuda...Romance...Histórico...Suspense...Leis...e Drama. Vou te dar alguns livros, e você vao precisar guardar ele na seção correta.
- Sem problemas.
Ele me entregou um exemplar de ‘The Secret’. Apesar de não gostar de ler, sabia o bastante sobre o livro para saber que era de autoajuda. Caçapa.
‘Percy Jackson’ Era a bola da vez. Assisti aquele filme de merda: ‘Aventura’, sem dúvidas.
Um livro sobre o nazismo da segunda guerra mundial. Histórico, sem perrenhe.
O livro do filmaço do Will Smith: Eu, Robô. Ficção, é óbvio.
‘1408’, do tal Stephen King. Já tinha visto  em vários lugares que ele era o ‘Rei do Suspense’. Facinho.
‘Código Constitucional’. Leis.
‘A Culpa É Das Estrelas’. Meu Deus, quase vomitei com aquele filme que todo mundo morre no final, tipo Titanic. Drama. Drama Mela-Cueca, o pior drama possível.
Biblia Sagrada
...
Cacete.
                Aventura, Talvez? O povo de Israel depois que saiu do Egito viveu um bom tempo andando pra lá e pra cá em busca do vale encantado.
                Ficção? Não, se eu colocasse em ficção o pessoal mais religioso botaria fogo na biblioteca.
                Autoajuda? Tantas pessoas utilizam a biblia para pararem com as drogas, para apagar os erros do passado... Por quê não?
                Histórico? Bom, existem pouquissímas fontes com tantos fatos antigos como a Biblia, sem dúvidas.
                Suspense? Quem vai trair Jesus, hein? Parece novela das 8.
                Leis? A Bíblia está cheio delas.
                Drama? Se ‘A Paixão de Cristo’ do Gibson não for drama não sei mais o que é. Até eu chorei no cinema, cara.
                Aquilo me deixou encucado. Mesmo. Sabe quando você fica com aquela pulga atrás da orelha, agonizado por não saber uma resposta?
                Andei pra lá e pra cá na biblioteca, por uns 10 minutos, tentando decidir onde colocar o livro. Emanuel viu que eu estava confuso e foi até mim.
- Está com dificuldade ?
- Um pouco, sim.
- Quer ajuda?
- Não, estou bem. Só estou um pouco confuso.
- Tá legal, se precisar me chama. – Ele voltou para trás do caixa.
                Depois de mais uns 15 minutos sem saber onde colocar, finalmente resolvi pedir a ajuda do rapaz.
- Ok, eu realmente não sei onde coloco. Aventura, Ficção, Autoajuda, Histórico, Suspense, Leis, Drama.. Parece se encaixar em tudo! – Emanuel começou à rir.
- Felipe, você está se esquecendo do mais importante. As pessoas sempre prestam atenção nas aventuras da Bíblia; Se perguntam se ela é real ou não; Buscam autoajuda ao invés de ajuda do alto; Tentam encaixar a história da Bíblia na história humana; Se emocionam; Se preocupam demais em cumprir as regrinhas, choram... Está muito claro em qual seção você deve pôr: Romance. As pessoas sempre se esquecem do principal da Bíblia, a única coisa válida em todas as línguas, todas as raças e povos: o amor que ela prega. Acho que a humanidade não está preparada para entender as coisas de Deus, e talvez nunca esteja.
                Um breve silêncio tomou conta da biblioteca, e eu fiquei tipo “WTF?!”
- Romance, então?
- Sim.
- Ok. – Coloquei na seção romance.
- Bom, agradeço pela sua ajuda hoje, Felipe. O emprego é seu, vá pra casa. Amanhã às nove aqui.
- Poxa! Muito Obrigado, Emanuel!
- Não há de que. E, ah. Sugiro que comece a ler regularmente. Pegue esse livro para começar. – Pelo visto ele não acreditou muito quando eu disse que lia. Peguei o livro. Ele se chamava ‘Boa caminhada’. Agradeci o cara e saí da biblioteca.
                Fui pra casa, contei à minha mãe que estava empregado e ela ficou super feliz. Vi um pouco de TV e fui pra cama.
                Acordei no outro dia, e fui trabalhar. Chegando lá, entrei e me deparei com o pai do Emanuel no caixa.
- Olá, eu vim trabalhar.
- Como você sabia que eu iria te ligar pra começar a trabalhar? – Disse o velho, sorrindo surpreso.
- Como assim? Eu vim aqui ontem e falei com o seu filho... Ele disse que a vaga era minha.
- Filho? Eu não tenho filho. A bibiloteca nem mesmo abriu ontem, eu estava doente. Mas eu ia te ligar sim. De qualquer forma, o emprego é seu. Pode começar.
                Naquele momento fiquei extremamente confuso e gelado. Será que eu tinha sonhado? Não pode ser. Abri minha mochila e apalpei o livro ‘Boa Caminhada’ que o Emanuel tinha me dado. Era real!
                Abri o livro, e o folheei até chegar na dedicatória digitada em times new roman :


Para Felipe. O emprego é seu. Convenci o Sr. Brito enquanto ele estava dormindo, num sonho. Leia esse livro e aprenda a nunca esquecer do que verdadeiramente é importante : O amor com boas ações. Tipo te dar esse emprego. De nada.
               
               


Vitor Henrique, Café C/ Fezes